segunda-feira, 30 de março de 2009

RETRÔ GLAM

“No novo tempo, apesar dos castigos/ Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos/ Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer/ No novo tempo, apesar dos perigos/ Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta/ Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver[...]/ No novo tempo, apesar dos castigos/ Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas/ Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer/ No novo tempo, apesar dos perigos/ A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça” (Ivan Lins) - Imagem: Getty Images




NOVOS VELHOS TEMPOS

Por Veruska Queiroz


Nas vitrines das maiores e mais badaladas grifes do país estão sendo lançadas as coleções Outono-Inverno/2009. Pode ser com um certo assombro que pessoas que tenham seus trinta e poucos anos ou mais vejam um revival dos anos 80 (pois é... mais uma vez) em modelos onde o exagero típico da década é a palavra da vez: ombros estruturados - o must have da estação - (que lembram as famigeradas ombreiras que todas nós juramos nunca mais usar), as calças cenoura ou carrot pants (nossas antigas baggy), coletes, jaquetas, muito preto em produções inteiras, couro, vinil, tule, rendas, babados, godês e tachas lembrando o mote clássico da época – o bom e velho rock 'n roll -, acessórios máxi (muito dourado, pérolas, pingentes em formato de cruz - meninas, lembram da Madonna nessa época?) e em grande quantidade, meia calça fina (normal, desenhada, rendada, arrastão), muitas sobreposições, cintões, paletós (os antigos blazers) sobre vestidos tubinhos (sim, eles voltaram); botas, muitas botas, com canos em tamanhos variados, maquiagem com olhos bem marcados, cabelos curtos ou, no máximo na altura dos ombros, etc. Enfim, depois do Fashion Rio e da SPFW e depois de assistir os lançamentos Outono-Inverno de algumas grifes fiquei questionando essa volta maciça e generalizada ao passado. Algumas perguntas persistem: será saudosismo mal disfarçado em expressões elegantes como retrô ou vintage? Será falta de inspiração? Ou falta de criatividade? Ou será mesmo o que parece ser a irrefreável tendência dos novos (novos?) tempos, ou seja, a retomada do velho para fazer o novo, a reciclagem e a revitalização do antigo?

Meus questionamentos que começaram pelo deleite das novas coleções Outono-Inverno/2009 se alongaram. Comecei a pensar sobre essas questões do novo-velho/velho-novo, reciclagens, remodelagem dos conceitos e transformações das formas de se ver o mundo sob uma ou outra perspectiva de forma mais expressiva. Penso que o que está acontecendo com o mundo da moda e todo o burburinho que ela provoca, considerado por alguns, talvez por não entenderem de fato o que seja a moda, como futilidade, não seja diferente do que esteja acontecendo com o mundo e com a humanidade nos últimos tempos de uma maneira geral. Estamos todos começando a entender que, para gerar um novo modelo e padrão de mais qualidade de vida é necessário uma postura de maior consciência sobre aquilo que consideramos ser a ordem social e econômica, uma postura de atitudes que visem uma melhor utilização dos recursos disponíveis, de novas formas de consumo e, a partir daí, da construção de novos paradigmas que consigam não somente transformar o caos sócio-econômico-cultural no qual estamos nos consumindo, mas, principalmente, conectar mais os povos entre si, ligados por um sentimento de justiça e comprometimento capaz de melhorar os relacionamentos humanos, desenvolvendo a tolerância, agindo com maior sabedoria e generosidade para encontrar soluções e mudar o terrível cenário mundial atual.

Sei que o assunto pode parecer piegas e soa como demagogia barata e cansativa, mas nesse momento não há escolha: que sejamos piegas, que sejamos cansativos, que sejamos chamados demagogos, idealistas, sonhadores, eco-ativistas, mas que não percamos o bonde da história, nem o fio da meada, que não fiquemos em cima do muro ou vendo a banda passar. Esses são outros termos já bem batidos e que viraram lugar comum (tal como a moda já há algum tempo), mas, nesse momento, o planeta, os nossos recursos e as relações humanas estão exatamente pedindo, penso eu, esse lugar comum, essa volta ao passado, onde a vida em si, suas diversas nuances e os valores pessoais eram mais valorizados e verdadeiros: as pessoas possuiam reconhecimento e status por serem e não por terem. A palavra de um homem era dada num fio de bigode (ok, nessa fui um pouquinho longe), os valores éticos eram ovacionados, as pessoas conversavam mais, observavam mais, compartilhavam mais, conviviam mais. O consumo era apenas a medida do bem estar pessoal e da família e não moeda de troca da vida vazia e sem sentido de quem precisa consumir e possuir para se sentir alguém de valor. Um modelo de carro, de televisão ou de máquina de escrever (sim, porque "nessa época sua avó nem pensava em conhecer um computador") eram considerados realmente bens duráveis, não eram peças descartáveis para sustentar a engrenagem da máquina do consumo fanático e desenfreado que acaba por não preencher o que se esperava e não desembocar em lugar algum, já que se perdeu há muito o verdadeiro objetivo e por aí vai... Não faço aqui nenhuma apologia a nenhum tipo de retrocesso tecnológico, social, científico ou cultural. A questão não comporta definitivamente essa visão limitadíssima e reducionista. Acredito que o que está se fazendo imperioso é uma nova postura, uma inovadora forma de encarar e lidar com esse novo mundo que estamos criando.

Não é a toa que a moda está, há alguns anos em constante movimento retrô. Também não é a toa que a indústria fonográfica mantém há algum tempo a fórmula mágica de se relançar antigos sucessos em coletâneas e perfis para reviver as décadas passadas. Com a indústria televisiva também não é diferente: remakes estão nas telas. Se não houvesse um forte desejo interno das pessoas em resgatar algumas nuances do passado, mesmo com a marcha da evolução, certamente, essa visível e constante retomada não estaria acontecendo. Penso que, assim como uma criança ou um adolescente que estejam com problemas e não estejam encontrando as soluções adequadas, tendem a "pedir socorro" de uma maneira não muito convencional; as pessoas estejam fazendo o mesmo em relação ao caos que se instalou em todos os cantos do mundo, em todos os segmentos da vida.

O que estaria faltando para a humanidade começar a repensar os paradigmas atuais sobre a produção e utilização dos recursos de uma forma mais sustentável, onde a qualidade de vida e os seres humanos sejam a prioridade e o motores do progresso? Desculpem-me, mas as perguntas, nesse momento, pulam da minha boca com vida própria... Porque precisamos reformar nossos guarda-roupas a cada nova coleção? Ou trocar todos os móveis e o carro a cada um ou dois anos e o celular a cada seis meses? O que estaria por trás desse consumo, de certa forma burro, frenético e pouco funcional, já que nada parece feito para durar, para ser apreciado e curtido realmente? O que se estaria precisando preencher? O que se estaria precisando camuflar ou tamponar? Do que se estaria fugindo? Para que algumas pessoas estão realmente vivendo? Com qual objetivo? Onde querem chegar? Será que apenas na medíocre e pobre confirmação e auto afirmação de algum tipo de status e poder? Será que algumas pessoas se contentam em ser somente isso - um amontoado de carne que precisa "Ter" para conseguir "Ser", porque, de qualquer outra forma não seriam muita coisa? Isso sem falar das questões mais importantes e emergenciais desse mundo de tsunamis, furacões, enchentes, crises, violência, aquecimento, poluição, etc... E se a água acabar? Vamos beber as roupas, os sapatos e bolsas, os celulares e os móveis novos? E se uma nova guerra mundial acontecer? Vamos nos esconder dentro dos nossos carros importados? E se o aquecimento global não for contido de alguma forma? Poderemos acabar sucumbindo sob nosso lixo, envenenados pela poluição do ar e sem alimentos suficientes para todos. Voltaremos aos tempos bárbaros? (Desconfio que algumas pessoas já voltaram - e lembrei-me agora do livro do Saramago "Ensaio sobre a cegueira" (1995) que F.Meirelles brilhantemente transformou em filme em 2008 e qualquer possível semelhança com um futuro, infelizmente não muito distante se não mudarmos imediamente o curso dos acontecimentos, mesmo que mínima, terá sido mera coincidência, ou não). Será que ainda iremos pensar em querer o último lançamento tecnológico, imobiliário ou automobilístico ou ainda algumas peças lindas da nova coleção da Chanel, D&G, Gucci ou Louis Vuitton?

E, para quem possa, até com certa razão se levarmos em consideração algumas "razões", torcer o nariz para esse texto, espero sinceramente que, até que coisas mais sérias ou trágicas aconteçam Marte, algum novo planeta ou o País das Maravilhas possam ser amplamente habitáveis, lindos e felizes... E "o Plunct Plact Zum pode partir sem problema algum" (R.Seixas, 1983).