quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SOU ASSIM...

“Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...”(F.Pessoa/A.Caeiro) - Imagem: Google Imagens





SOU COMO NINGUÉM ME FEZ
Por Veruska Queiroz


Sou chegada e partida
Sou rastro e mistério
Sou olhar e coração
Sou alma e sou pele
Sou clareza e confusão
Sou limite e inundação
Sou clave
Sou chave
Sou porta
Sou porão
Sou eu e sou o outro
Sou sozinha e multidão
Sou direito e avesso
Sou o essencial e o adereço
Sou densa e sou pluma
Sou frágil e sou forte
Sou suave e rascante
Sou todos os lados, o sul e o norte
Sou o nó e o laço
Sou a luta e o cansaço
Sou a discórdia e o abraço
Sou sorriso e paetês
Sou choro e vela
Sou ponto e reticências
Sou inteira e incompleta
Sou equilíbrio e desatino
Sou louca e sou santa
Sou menina e sou mulher
Sou aquela que dança e encanta
Sou bailarina e sou palhaço
Sou o arco e o chão
Sou nuvem e poeira
Sou sem eira nem beira
Sou inverno e verão
Sou excesso e escassez
Na medida e sem medidas
Sou loucura e sensatez
Sou o melhor do que conheço
Sou o pior do que temo em conhecer
Sou a morte e o renascer
Sou o sol e sou o fogo
Sou terra e encontro
Sou quem fica e perturba
Sou quem vai e faz falta
Sou pergunta e sou resposta
Sou elástica e estática
Sou alicerce e trepidação
Sou o oceano e o vulcão
Sou aqui e além, o agora e o depois
Sou enigma e transparência
Sou a maldade e a inocência
Sou aço e areia
Sou a fé e a dúvida
Sou água
Sou lava
Sou chuva
Sou a brisa e a tempestade
Sou embaraço e simplicidade
Sou palavra e gestos
Sou para fora
Sou por dentro
Sou o dia e a noite
Sou paragem e sou passagem
Sou o alívio e o açoite
Sou frente e sou verso
Sou o incômodo e a redenção
Sou acolhimento e provocação
Sou ombro e sou ferro em brasa
Sou óleo de rícino e champagne
Do que posso morrer
E pelo que posso viver
Há sempre quem se engane
Sou mestre e aprendiz
Sou da primavera
Sou erva
Sou Hera
Sou aquela que sempre diz
Sou a definição e o indefinível
Sou mutável e inflexível
Sou vil e nobre
Sou ouro e diamantes
Sou prata e cobre
Sou embate e quietude
Sou de perto e de longe
Sou o eterno e a finitude
Sou daqui e de Marte
Sou Vênus
Sou Afrodite
Sou Minerva
Sou Centauro
Sou obra de arte
Sou teimosa e decidida
Sou chocolate e sou pimenta ardida
Vôo alto e sou pé no chão
Sou de salto alto
Ando na contramão
Sou de lua
Sou estrela
De todos os cantos
De mais de mil encantos
De primeira grandeza.
Sou segredo e nudez
Sou voz e mudez
Sou como ninguém me fez.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

QUESTÃO EXISTENCIAL

A ética é a estética de dentro” (Pierre Reverdy) - Imagem: Flickr





A ESTÉTICA E A ELEGÂNCIA DA EXISTÊNCIA

Por Veruska Queiroz


Por uma série de razões (e entendo que a maioria delas são amplamente justificáveis) não se fala em outro assunto nos últimos dias a não ser no “episódio da aluna hostilizada por causa de seu microvestido rosa choque" – e perdoem-me o trocadilho, mas parece que chocou mesmo - ocorrido na Uniban, uma faculdade particular de São Bernardo do Campo-SP, na noite da quinta feira dia 22 de outubro. Motivada por uma intensa reverberação mental que acontecimentos dessa natureza me provoca e por uma grande excitação em voltar a escrever no blog, vou tentar aqui concatenar algumas idéias que tenho a respeito de civilidade, elegância da convivência e estética da existência (essa não totalmente nas mesmas perspectivas do pensamento de Foucault, embora muito perpasse ali) e alinhavá-las, na medida do possível, com algumas linhas de pensamento que são minhas bases de estudo permanente. Só para esclarecer, estética assumirá aqui um contorno mais subjetivo e elaborado, algo mais no âmbito da forma como se colocar no mundo segundo suas próprias definições, que não significa definitivamente aparência e beleza, mesmo que, em certa medida, a serviço do bom senso, essas últimas não possam ser totalmente descredenciadas. Nesse contexto e no presente texto, a estética da existência é pontuada muito mais para focalizar a execrável atitude dos jovens agressores do que propriamente qualquer atitude da aluna agredida.

O terrível acontecimento com a jovem Geyse Arruda, de 20 anos, encontrou repercussão aos quatro ventos e em toda esquina: matérias em todos os jornais e telejornais com repetição maciça dos vídeos gravados pelos estudantes; sociólogos, psicólogos e educadores apresentando suas considerações, jovens indignados, Glória Kalil no Fantástico: “Ela usou roupa de balada na hora errada e acabou massacrada por isso, mas nada justifica a agressão” e até a cantora Wanderléia em um site: “Quando comecei a usar minissaia, há 40 anos, havia preconceito. Mas, hoje em dia, isso é absurdo”. Uma coisa é inegável: esse episódio suscitou alguns questionamentos em cada um, na sociedade em geral e nos faz pensar a todos, porque parece escancarar o óbvio, mesmo que esse esteja escondidérrimo no porão escuro de cada um de nós: há uma constante tensão entre civilidade/códigos morais e sociais e barbárie, encarnada em certa medida, num todo e também em cada indivíduo em particular e, para nosso horror, a distância entre eles pode ser muito curta. O termo “civilidade” vem da palavra “civitas”, que quer dizer cidade. Tem civilidade, portanto, aquele que sabe viver na cidade, em organizações e convenções sociais onde há códigos e regras a serem seguidos. Se esses códigos e regras são justos ou não, normativos ou punitivos, conservadores ou libertinos, certos ou errados, cada um terá suas próprias direções, opiniões e respostas a respeito e posso concordar que muitas das convenções sociais exercem força de exclusão, repressão, moralismo hipócrita e alienação, mas o fato é que conviver em sociedade exige sim educação, respeito, elegância, civilidade e ética.

Por falar em ética, não posso deixar de citar Foucault (1995), com o qual concordo: “A ética é, em primeira e última instância, um modo de relacionamento do indivíduo consigo mesmo. É o cuidado de si. A ética é criação de e a partir da liberdade e o indivíduo é uma obra – obra de si mesmo, obra de arte.” Para Foucault quanto mais o indivíduo desenvolver essa ética, mais consciência terá de si mesmo e maior será a sua “estetização”, portanto, mais abrangente e melhor será também a concepção desse indivíduo sobre a estética da existência de um modo geral e da vida. Penso que essa forma de pensar a ética pessoal estaria desvinculada de qualquer tipo de esteticismo fantasioso e inconsequente: a escolha de uma deteminada forma de vida baseada na estética da existência, não se produz em meio ao nada ou em meio à "cultura do vale tudo", mas num espaço determinado e bem delimitado no qual algumas escolhas são possíveis e outras não são, porque é preciso que estejamos sempre atentos ao amplo leque de posturas e movimentos do tecido social. Dessa forma, a estética da existência, caracterizando o cuidado consigo mesmo e com o outro e nos levando ao exercício constante da transformação da existência, define as condutas e os critérios estéticos e também éticos do bem viver.

Penso que o lamentável e horroroso acontecimento na faculdade de São Bernardo do Campo tenha causado tanta indignação e discussão justamente porque ele violou e violentou essa estética da existência. O que vimos foi uma violência gratuita de jovens – que negligenciaram totalmente o respeito ao outro e os critérios éticos do bem viver, comportando-se como selvagens - contra uma pessoa que decidiu fazer uma escolha, baseada, se pudermos pensar assim, em uma estética da existência que lhe era correta, segundo seus próprios padrões - e que, em tese, não estava agredindo ninguém ou violando nenhuma regra: usar seu vestido curto rosa para ir à aula. Não estou colocando em discussão se a moça estava ou não vestida adequadamente para o local em que ela se encontrava, isso é uma outra questão, embora, pessoalmente eu considere, entre outras coisas, que ela tenha errado sim ao escolher a bendita peça rosa choque. Mas, o fato é que mesmo que alguém não esteja “muito adequado” para essa ou aquela situação ou local, propositadamente ou não, isso não abre precedentes para a barbárie, para os insultos, agressões, discriminações e humilhações. Onde está a civilidade? Onde estão a educação e o respeito, princípios humanos básicos por definição? Onde está a elegância? Lembrei-me de Costanza Pascolato (2009), que em certa medida, para um olhar mais atento e refinado, corrobora em várias nuances com a estética da existência de Foucault: “Freqüentemente confundida com estilo, elegância é, na definição literal, o requinte que distingue a postura correta, o refinamento natural. Elegância é apuro do porte e das maneiras. Tem muito mais a ver com aprimoramento pessoal do que com aparência. Ser elegante é, em última análise, uma questão existencial, de como você pensa sua vida, como se coloca no mundo.”

A disseminação da cultura da permissividade segundo a qual cada um pode fazer e dizer o que bem entender, sem se importar com o espaço e o direito alheios, preconizando assim a falsa idéia de uma forma de vida mais livre e menos “amarrada” aos modelos vigentes de uma cultura com padrões ultrapassados, demonstra, muito pelo contrário, uma falta total de adequação social e uma incapacidade fatal de convivência, pois em última análise, a falta de educação, a selvageria, a agressão, a barbárie, a falta de controle sobre si mesmo e a negligência ao outro em qualquer sentido, são todos fatores de grave desagregação social e, muito antes, de intensa degradação pessoal, como já vimos.

Em suma, uma vez conscientes de que a vida essencialmente é baseada nas relações, temos de ter em mente que os desejos, pensamentos, opiniões, atitudes e modo de viver das outras pessoas são tão válidos quantos os nossos, estejamos nós de acordo com eles ou não e que educação, respeito, civilidade e elegância são conceitos básicos e serão sempre muito bem vindos em qualquer lugar e em qualquer circunstância, não importando se o vestido da pessoa ao lado é curto, mini, longo, feio ou bonito, adequado ou totalmente fora de contexto e nem se ela está na faculdade, em uma “balada” ou até mesmo em uma praia ou em uma festa Black-Tie. É claro que na outra ponta desse complexo mundo humano demasiado humano podemos lembrar da máxima - com a qual concordo - que diz: "Água benta e bom senso não fazem mal a ninguém" e, baseada nessa premissa, penso que devemos, sim, estarmos sempre atentos a nossa aparência, ao que vestimos, ao modo como nos portamos, a nossa conduta e aos nossos atos, em todos os lugares por onde passamos e existe sim, essa e aquela postura mais ou menos adequada a essa ou aquela situação ou local, afinal tudo isso também tem direta relação com a civilidade, com o viver em uma determinada sociedade baseada em certas normas e com o respeito a si mesmo e ao outro. Mas em nome disso jamais pode estar a serviço a agressão, a violência, a selvageria, falta da estética e a falta da elegância da existência.