domingo, 4 de março de 2012

MUDE SEMPRE.

"Ninguém que conjure os mais malígnos daqueles mal domados demônios que habitam o Homem e procure medir-se com eles, pode passar incólume por esta luta."(Sigmund Freud) – Imagem: Google Imagens





MUDE SEMPRE. ATÉ A ÚLTIMA GOTA. NÃO MATA.


Por Veruska Queiroz



Parece-me sempre que estou (re)começando algo. E não somente parece-me. Não é algo apenas como um sentimento em minha essência, mas algo como necessário para meus acertos e desacertos, para minha loucura e sensatez, para meus partos, lutas, lutos e renascimento, para minhas construções, desconstruções e reconstruções. É certo de que o faço. O direito e o avesso em mim visitam-me sempre, embora seja no avesso minhas maiores revoluções e evoluções e seja por ele também que vejo, revejo e recrio a mim mesma e o mundo, na maioria das vezes (ainda bem!). Meu ano tem vários e distintos "Anos Novos"... Todos são como minhas revisões e recriações de mim mesma e do mundo inteiro em mim, do que vejo, do que leio, do que observo, do que ouço, do que falo, do que quero, do que não quero, do que já quis e não quero mais, do que já quis e posso querer novamente, do que ainda posso querer nunca antes querido, do que realizo e do muito além que vou realizar. Vivo assim... em constantes mudanças, mutações e transformações. Algumas doem sim, outras doem quase nada e outras, muitíssimo ao contrário, fazem muito felizes. Mas todas, sem exceção, considero belíssimas e fazem muito bem quando as vejo em retrocesso, pois o mais importante delas são as lições aprendidas e apreendidas. Sim, pois não basta que aprendamos simplesmente. É necessário que as mudanças e suas lições entrem em nós, arranhem e acarinhem nossas entranhas e encontrem um ninho. Ninho este - já de muitas formas - preparado por nossas vivências e subjetivações, mas que precisa ser rearranjado de tempos em tempos para seu melhor alinhamento e aconchego. Afinal, ninho refere-se à casa, a um lugar de abrigo, de recolhimento, de acolhimento. As lições e as mudanças que se fizerem necessárias precisam encontrar este ninho. E não somente encontrá-lo, mas aprender a sair dele e a retornar, sempre que necessário, quantas vezes forem preciso. Para as mudanças é imprescindível também aprendermos a desembarcar de nós mesmos para melhor nos olharmos, olharmos as paisagens, o que nos cerca, quem entra e sai em cada estação, quem está chegando, quem está somente de passagem, quem está indo embora... é preciso desaprender para aprender de novo e aí sim embarcarmos novamente, em um trem renovado, recriado, transformado. E sim, cada um o fará, naturalmente – ou não - à sua forma, no seu tempo e rítmo. Freud já dizia em "O Mal Estar na Civilização" (1996[1927-1931], vol XXI): "Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo".

Sim, mudanças e transformações podem ser uma das muitas maneiras de sermos salvos. Salvos de que? Ah, Caetano Veloso disse muito bem certa vez: "...cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" (Dom de Iludir, 1982). Cada um de nós precisamos nos salvar todos os dias... de nós mesmos, de nossas intempéries, de nossas ilusões, de nossas veladas e não assumidas – às vezes sequer reconhecidas ou até negadas - vitimizações, de nossos conflitos que nos apavoram – sabendo que conflitos sempre teremos e não é a evitação deles que proponho aqui – de nossas meias verdades, de nossas inteiras mentiras, de nossos medos, de nossas parcas visões, de nossas considerações enviesadas e de nossas caquéticas certezas atravessadas pelo nebuloso opaco ou obstáculo que impomos aos nossos olhos. Sim, para o espanto de muitos e a aversão de outros tantos – que os céus os protejam - todos somos seres imperfeitos e, com as devidas graças, insatisfeitos também – não muito, mas o necessário para nossas buscas e descobertas, para novas perspectivas, novos olhares, novos saberes, novos sabores, novos anseios e... mudanças.

Mas não basta abrir os olhos para ver... não basta ouvir para escutar... não basta falar para dizer... não basta andar para caminhar... não basta fazer diferente para mudar e transformar... não bastam silêncio e serenidade para a verdadeira paz... não basta simplicidade para a beleza... não bastam palavras para ações... não bastam ações para atitudes... não basta existir para SER... É preciso aprender, desejar e querer... E principalmente desejar e querer mesmo ir mais além. E para tais há que se ter alma. Isto mesmo: alma. Alma pulsante, inquieta, latejante que, pelo menos tenta entender o direito e o avesso de si mesmo e da vida e vai aprendendo, muitas vezes, a tropeços e arranhões, outras vezes com a leveza de uma pluma, a transitar nos dois mundos. Alma que tenta sair do lugar de sempre, mesmo que não salte ou voe – que seria ainda mais belo - e que tenta ao menos caminhar por novas estradas ou seguir outras direções. Alma que, com muito esforço – ah, que esforço bonito a verdadeira alma bela faz – tenta desbravar as próprias trilhas internas para buscar mais a si mesma, para saber mais de si mesma, para não ser a mesma a vida inteira – deve ser muito chato e triste isso – para alterar a ordem e sair da promíscua zona de conforto. Falei promíscua? Sim. Ao contrário do que o senso comum cultua, a zona de conforto, aquele lugar aparentemente muito bem arrumadinho e bonito, de onde muitos de nós não saímos e que é somente um lugar estático e, exatamente por isso, meio sem vida, para colocarmos as fotos nossas, da família, de amigos - todos sorrindo - tentando acreditar a todo custo nos sorrisos - mesmo que eles tenham sido verdadeiros em dado momento (até que as fotos e a vida real amarelem, os sorrisos deixem de ser sorrisos e tudo deixa se ser...) é uma promiscuidade abominável e imensurável do ser para consigo mesmo, uma violação hedionda e brutal da sua essência, uma violência sem precedentes do que podemos ou poderíamos ser, pois ali, na linda zona de conforto é precisamente onde está a verdadeira desordem, a verdadeira mistura indiscriminada. Desordem velada, varrida para debaixo do tapete ou sequer reconhecida – por falta de referenciais, ou por falta das representações psíquicas em relação às figuras parentais, que deveriam cumprir o papel de fazer o sujeito/criança "nascer" em sua subjetividade, encontrando para a mesma um lugar e um reconhecimento ou até mesmo por falta ou inversão de valores - ou tudo isto junto. Mas o fato é que ela - a promiscuidade execrável da linda zona de conforto - continua lá, sujando aquele que não consegue sair do lugar e todos de seu convívio, tornando tudo fétido disfarçado com “Parfum francais”, contaminando tudo e todos que encontra pela frente, provocando doenças desfigurativas – muitas vezes silenciosas, mas fatais – apodrecendo por dentro seus praticantes como cupim nos móveis. Quando nos damos conta o móvel cai, desmancha-se como papel e apodrecido, desintegra-se e o que resta vai para o lixo.

Mudanças... transformações... são questões de escolhas, da capacidade ou incapacidade de cada um – muitas destas condições já precisamente inscritas na constituição psíquica de cada um de nós - como quase tudo o que existe em nossas vidas. São também questões de coragem e ousadia e de um verdadeiro pertencer a si mesmo. Mudanças são as únicas coisas permanentes no mundo. Muitos tem medo delas (que pena!). Pois eu tenho medo é que nada mude (e ainda bem que muda, sempre!). Deixo o pensamento último com Sigmund Freud, novamente em 'O Mal Estar na Civilização" (1996[1927-1931], vol XXI – Grifos meus): "Todos os tipos de diferentes fatores operarão a fim de dirigir sua escolha. É uma questão de quanta satisfação real ele – o indivíduo, o homem – pode esperar obter do mundo externo, de até onde é levado para tornar-se independente dele e, finalmente de quanta força sente à sua disposição para alterar o mundo..." E enfim, parafraseando Clarice... Mude sempre. Até a última gota. Não mata.


"Nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo."

(Friedrich Nietzsche)