terça-feira, 21 de abril de 2009

É POSSÍVEL SIM!!!

Não tenho mais tempo algum,
ser feliz me consome."(Adélia Prado) - Imagem: Google Imagens




O QUE HÁ DE ERRADO COM A FELICIDADE?

Por Veruska Queiroz


Já faz um tempinho que recebo uma grande quantidade de e-mails com vários questionamentos sobre a tão sonhada (e, em alguns casos, temida) felicidade. Digo que em alguns casos ela pode ser temida, porque algumas pessoas decididamente (conscientes ou não) sabotam a própria felicidade. Sabotam os caminhos que num conjunto amplo e diverso proporcionariam alegria e, consequentemente, momentos felizes. Mas isso nos reportaria a outras questões que dariam um outro texto. Tentarei me ater aqui ao questionamento sempre tão presente de quase todos nós sobre a possibilidade de ser feliz ou não.

Penso que para ser feliz é necessário primeiro compreender o que é a felicidade. Se sua busca for pela felicidade plena, lamentavelmente não a encontrará em nenhuma parte de sua existência. Mesmo porque a felicidade só existe com o seu oposto, como quase tudo na vida. É preciso conhecer o desprazer para se desfrutar o prazer. Um sem o outro não há. Portanto quando compreendemos que a felicidade é constituída de vários momentos de alegria e prazer entre os possíveis e, às vezes inevitáveis desprazeres, conseguimos melhor usufruí-la. Daí que ser feliz também é uma arte: a arte dos pequenos prazeres. Como diria (Fernando Pessoa, 2005): "A felicidade surge de um desassossego da alma".


Como não poderia deixar de ser, numa perspectiva psicanalítica no que se refere à felicidade ou “a busca de”, devemos entender a Psicanálise, em seu campo teórico, por um lado, como um instrumento de interpretação que viabiliza a diminuição do sofrimento humano, no entanto, por outro, de certa forma, muito descrente em relação à felicidade humana plena. O próprio Freud teria dito que a psicanálise até pode resolver os problemas da miséria neurótica, mas ela nada pode fazer contra as misérias da vida como ela é.


Uma relação entre psicanálise e felicidade seria mesmo possível? Resgatemos, então alguns conceitos: "O primeiro deles é o desejo. O desejo, tal como é entendido pela psicanálise, não é a mesma coisa que a necessidade. Enquanto a necessidade é um conceito biológico e implica uma tensão interna que impele o organismo numa determinada direção no sentido de busca de redução dessa tensão ou satisfação - exemplo: necessidade de fome, buscamos comida - o desejo, sendo de ordem puramente psíquica e subjetiva, é desnaturado e como tal pertence à ordem simbólica(...) O desejo não implica uma relação com objetos concretos."(R.Chemama, 1995). A relação com esses é, na maior parte das vezes, fantasiada (vide meu texto "Amamos porque amamos").


Sabemos que as necessidades do ser humano são atravessadas pela linguagem, mensageira das demandas e a demanda é sempre demanda por outra coisa. O sujeito marcado pela falta, sempre estará em busca de algo, pressupondo necessariamente que o outro tenha esse algo a lhe oferecer: reconhecimento e amor. Então, a demanda é precisamente um pedido de amor ao outro e um desejo de ser reconhecido por ele, numa ilusão de preenchimento e plenitude. Nesse sentido, por ser absolutamente impossível essa plenitude - porque ninguém terá "esse tudo" o que o que outro quer, necessita ou deseja em sua totalidade - da demanda e do desejo surge outro registro da falta. Restando-lhe sempre essa insatisfação - como nos diz Freud - pode acontecer um ciclo interessante, ou seja, com o desejo nunca satisfeito em sua totalidade e com as demandas constantes, o desejo se vê obrigado a tentar encontrar um outro caminho, a realização. O sujeito é um ser de linguagem, é um ser desejante e por isso está 'condenado' a sentir primeiro mal-estar e angústia por desejar algo e ainda não possuir e, somente depois, um estado de satisfação - caso ele consiga realizar seu desejo - ainda que seja parcial. O que nos mantém em pé é a imagem ilusória que construímos de que algum dia fomos alguém imprescindível para o outro. Esse outro são nossos modelos parentais e o primeiro de todos eles, a mãe. Então, adultos, inconscientemente iremos desejar ser "esse ser grande" para o outro com o qual iremos nos relacionar – em todos os tipos de relações – buscando incansavelmente esse reconhecimento no olhar do outroMas, numa outra medida, ficamos com o sentimento constante de que "outra coisa" nos move para além dos nossos instintos e necessidades. E o que seria isso, já que a sensação de satisfação quando uma necessidade é preenchida não promove, necessariamente a felicidade? E porque isso acontece? Isto acontece porque "o desejo jamais é satisfeito" (Luiz A.Garcia Roza, 2004), uma vez que ele se origina na falta constitutiva do ser humano - pois o sujeito sempre estará a desejar outra e outra coisa - e somente em sua forma parcial que ele se realizará. No contexto da realidade, ela, por si mesma, sempre frustrará nosso desejo de plenitude e felicidade. Por isso associar satisfação das necessidades à felicidade plena nunca será uma equação possível.


Mas há a possibilidade da satisfação parcial, como já vimos. Nessa perspectiva, a satisfação parcial - ao contrário do que somos levados a pensar - se configura, então, como algo positivo se nos atentarmos para o fato de que, não estarmos totalmente satisfeitos pode ser o motor de muitas realizações e crescimento. Então, ter satisfações parciais não significa infelicidade ou que estamos fadados a ser infelizes para todo o sempre. Se assim fosse não seria possível viver. Dessa forma, talvez, uma pessoa pudesse estar mais próxima da felicidade quando faz planos, sonha, elabora projetos de vida, buscando principalmente a realização interna, emocional. Viver consiste em revisitar/reavaliar/realizar constantemente os planos do que somos e não somos ou deixamos de ser, do que queremos ou não, do que idealizamos ou não e do que sonhamos ou não. Nesse sentido, penso que a felicidade pode ser entendida como o conjunto de todas as nossas experiências na busca da alegria diante das possibilidades que o mundo nos oferece, pois implica transformar o processo da vida e ser transformado por ela.


A felicidade tal como está constituída e como é possível ser vivenciada não pode ser fruto de uma alienação, ou produto de uma enganação, de uma utopia ou de um delírio. Os mais diversos recentes estudos sobre essa felicidade apontam que ela será - ou poderá ser - (re)inventada por pessoas que aprenderam - e continuam a aprender e a desejar - a conhecerem melhor a si mesmas, o outro, o mundo no qual elas vivem e "escolheram ser felizes", buscando realização pessoal e emocional acima de tudo - na medida do possível para cada um - com capacidade para amar e trabalhar, como nos lembra Freud. Em vez de ficarmos loucamente buscando 'A' felicidade, deveríamos nos imbuir de uns certos - e sempre certeiros - encantamento pelas pequenas felicidades do dia a dia e por uma alegria de viver, enquanto caminhamos pela vida afora. Nessa perspectiva, a felicidade seria um componente intrínseco constituída de vários momentos de contentamento e de alegria que cada pessoa pode ou não carregar no íntimo de sua alma. A chave para todo o mistério estaria, portanto - por mais que possa nos parecer um clichê - dentro de cada um de nós. Enfim, para "ser feliz" há de se ter uma generosa dose de ousadia, coragem e sabedoria. "Nada posso lhe dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma..." (Hermann Hesse, 1995).