“Somente onde há sepulturas, há também ressurreições.”(Friedrich Nietzsche) - Imagem: Google Imagens
SOBRE DESEJOS E SUPERAÇÕES
Por Veruska Queiroz
Realizou-se dia 27 de fevereiro desse ano a 83ª edição do Oscar, em Los Angeles. Entre os ganhadores, “Discurso do Rei” e “Cisne Negro”. Filmes belíssimos que levam os espectadores a inúmeras sensações e emoções – desde encantadoras a perturbadoras. Também não posso deixar de mencionar filmes como “Bravura Indômita”, “Inverno da Alma”, “127 Horas”, “O Vencedor”, “Toy Story” e até o documentário “Lixo Extraordinário”, que fizeram-me sair do cinema ora muito emocionada, ora extasiada e muitas vezes com um sentimento de redenção e até mesmo, em algumas considerações pontuais, de dever cumprido – como se pudesse ter estado na pele dos personagens – ou como se, numa atitude nostálgica ou visionária, enxergasse – sob outras perspectivas, obviamente - muito de minhas próprias vivências ou desejos.
Para quem viu estes filmes, uma coisa fica bem clara: cada um, a seu modo, aborda temas inquietantes e fascinantes sobre desejos, superações e vitórias, sejam sobre algo, alguma coisa ou sobre si mesmo. De alguma forma, todas as estórias dinamizam desejos, desafios, adversidades, limites – quer sejam externos ou internos - e a obstinação e luta para realizá-los, superá-los, para ir além, para vencê-los. Também falam sobre amizade, sobre auto-conhecimento – ou pelo menos da luta que se pode travar para o mesmo - e sobre coragem e liberdade.
A grande festa do Red Carpet e do Cinema Mundial ainda brilhava com todo o seu glamour e estórias com nuances bem reais - uma particularmente baseada em fatos verídicos - enquanto outras estórias – absolutamente reais - de desejos, adversidades, desafios, coragem e superação saltavam aos nossos olhos. Há pouco mais de trinta dias, na Cidade do Samba no Rio de Janeiro, três escolas de samba perderam muito do trabalho de um ano inteiro. Fantasias e carros alegóricos se consumiram inteiros no fogo. Entre lágrimas, dor, desespero e muita tristeza estavam também – talvez muito semelhantes aos do cinema – desejos, desafios, adversidades, limites, obstinação e superação.
Pouco antes destas estórias estarem nas críticas, pontuações e comentários de muitos, no meu texto anterior abordei, entre outras coisas, considerações sobre medos, mudanças e (re)começos. Em certa medida, os conceitos se entrelaçam se entendemos que lidar com desafios e resistências, vencer nossos medos ou limites, superá-los para promover mudanças e recomeçar implica desejar grande, ir além, buscar talvez o novo, novas formas de ser e estar no mundo. Implica também conseguirmos manejar a angústia do medo que este novo promove e termos um tanto de coragem, determinação e, muitas vezes, obstinação mesmo para a superação e, não obstante para a vitória, se essa for pretendida – quer ela signifique uma vitória sobre algo ou sobre si mesmo. Eis algumas reflexões sobre esse tempo de desejos, desafios, superações, mudanças e (re)começos de filmes hollywoodianos, de escolas de samba e da escola da vida:
1) Tanto no que vimos nos filmes do Oscar/2011, em Los Angeles quanto na tragédia do fogo para algumas Escolas de Samba do Rio de Janeiro e também não muito difícil de vermos pipocando aqui e ali em uma ou outra vivência humana – talvez as vivências mais audaciosas e corajosas - há uma premissa: o desejo. O desejo grande, aquele perturbador, inquietante, febril, convulsional, transformador. Aquele que nos molda e nos define, que nos vira do avesso, que revira todas as nossas dúvidas e certezas, que nos deixa sem direção e ao memso tempo é nosso norte, aquele que nos desestrutura e ao mesmo tempo nos preenche, aquele que mostra nossos lados A e B - às vezes C, D, E , F.
2) Se há esse desejo grande que nos molda, nos revira e nos define é porque não podemos, não sabemos, não queremos e não conseguimos seguir adiante sem ele. Ele causa inquietude, questionamentos, alegrias, perturbações, insanidades, destemperos, raiva, paixão. Também causa aquele algo a mais que nos impulsiona e nos faz querer ir além, nos aprimorarmos, vencermos nossos fantasmas, entrarmos em nossos porões, abrirmos as janelas, deixarmos entrar o sol. É ele que nos mantém e nos move. E, por nos mover, ele também é o responsável pelas reflexões e buscas que fazemos de tempos em tempos – quando não sempre – para realizá-los.
3) No caminho da busca pela realização dos nossos desejos grandes – aquele que nos movem, nos moldam e, principalmente nos definem – é fato que iremos nos deparar com nossas limitações, imperfeições e com nossas resistências, com dores e perdas, com algumas frustrações, com angústias, medos e teremos de, em dado momento, decidirmos o que fazer com cada coisa. Se assim não fosse, nossos desejos grandes não estariam nessa categoria e poderiam ser facilmente substituídos ou negligenciados. Os desejos que podem ser facilmente substituídos - exatamente por não serem grandes - nos fazem sempre mais ou menos, nunca inteiros - mais ou menos desejantes e mais ou menos não desejantes e, por isso, sempre pulando aqui, ali e acolá sem direção e definições; mais ou menos satisfeitos e mais ou menos insatisfeitos, mais ou menos consistentes e mais ou menos indolentes, mais ou menos alegres e mais ou menos tristes... sempre mais ou menos isso e mais ou menos aquilo. Ou seja, sempre pela metade - mornos, chatos, insossos e medíocres. E ouso dizer: frágeis, débeis, sem brilho, sem magnetismo, sem beleza e sem vida.
4) Os desejos grandes, por assim o serem, nos fazem mergulhar constantemente em severos testes - e sendo grandes como nossos desejos, depois das lutas e superações, passamos com louvor. Eles testam nossa força, nossa paciência, nossa persistência, nossas direções, nossa deteminação - às vezes, obstinação mesmo - e a validade e importância dos nossos próprios desejos. Eles testam nosso caráter, nossa dignidade, nossa sanidade, nossos princípios e valores morais, nossa essência e nossa beleza - conceito aqui muito além do físico e do que o senso comum propõe e cultua. Os desejos grandes testam nossa resistência, nossos limites e colocam todas as cartas na mesa, todos os pingos nos "is" acerca de quem verdadeiramente somos e da nossa capacidade para lutar ou não e superar ou não, com nobreza, força e coragem - também há quem escolha, nesse momento, a mediocridade, a fragilidade e a covardia - todas as adversidades, medos e limites para sabermos se, ao final da jornada seremos os vitoriosos que queremos mesmo aquilo que desejamos - porque nem todos querem mesmo aquilo que desejam - e o quanto somos grandes ou não diante desses nossos desejos grandes - e até mesmo se esses eram, são ou não desejos realmente grandes.
5) Desejar grande, voar alto, sonhar bonito, vencer as adversidades, os obstáculos e, não raro, as próprias limitações e imperfeições, superá-los com dignidade e beleza, aprimorarmo-nos, querermos sempre o melhor e fazermos sempre o belo são obras de almas grandes, as mesmas dos desejos grandes – alguns insistem em chamá-las loucas. Que seja. Mas vejo muito mais loucura em quem se contenta com sonhos poucos, rasos e pequenos; com pedaços, farelos, migalhas e restos. Vejo muito mais loucura em quem não tem aquela força bonita e aguerrida para enfrentar os desafios da vida, esmorece diante dos obstáculos e escolhe entregar a alma ao diabo e a dignidade à lama e à ruína. Vejo muito mais loucura em quem, tendo caminhos admiráveis para seguir, prefere caminhos obscuros e fétidos - na maioria das vezes, caminhos sem volta no que a subjetividade evoca. Vejo muito mais loucura no caráter torpe, nas farsas, nas mentiras, nas omissões e na estupidez - e, por consequência, na profunda e irremediável degradação humana que se desenha nesse cenário escuro, árido e triste. Vejo muito mais loucura na covardia, na falta de respeito e cuidado consigo mesmo, com o outro e com a vida. Enfim, vejo muito mais loucura em quem não é capaz de ser grande, de ter desejos grandes e de lutar bonito, limpo e com nobreza - seja em relação a si mesmo, ao outro ou à vida - com e contra as adversidades do caminho; com e contra limitações e imperfeições, com e contra alguns obstáculos, algumas frustrações ou decepções; com e contra medos e fantasmas e, por isso, tristemente, também não é capaz - talvez nunca - de ousar e vivenciar a superação e a vitória com beleza, garbo e elegância.
6) Somente os desejos grandes, esses que nos dizem quem somos, esses que nos instigam, nos colocam à prova, nos desconstroem para que possamos nos reconstruir, nos cutucam, nos interpelam e nos trazem dúvidas, perguntas sem respostas e insondáveis questionamentos, nos moldam e nos definem testam nossas atitudes perante nós mesmos e perante o mundo. É diante disso que mostramos quem somos. Somente os desejos grandes nos apresentam as devidas adversidades e desafios para avaliarmos com profundidade e honestidade nossa essência e o que estamos fazendo de nossas vidas e avaliarmos o valor do que nos é verdadeiramente importante. Somente eles, depois das adversidades e desafios, são capazes de provocar nossa “ira” interior de querer superá-los e vencê-los. Somente eles contém, em todos os sentidos, as verdadeiras coragem, nobreza e beleza em sua totalidade, promovem a fascinante e inigualável liberdade e a indescritível vitória bonita e magnânima de quem enfrentou e superou/venceu todos os leões, cisnes, guerras, gagueiras, fogo, tempestades, mutilações, perdas e mortes - inclusive as subjetivas.
7) Superações são somente para os desejos grandes das almas grandes e belas... dos sonhos grandes, do amor grande, da essência grande, dos voos grandes, dos cisnes grandes, das gagueiras grandes, do fogo grande, dos caminhos grandes, da coragem grande, do caráter grande, da força grande, das dignidades grandes, das atitudes grandes, das verdades grandes, da nobreza grande, da ousadia grande, das lutas grandes, das vitórias grandes, da elegância grande, da beleza grande, da vida grande.
“Somente onde há sepulturas há também ressurreições.”
(Friedrich Nietzsche)